Círio Brasil e sua família são os integrantes do Circo Mirtes.
SOB O CÉU DE LONA
"O circo salvou realmente nossa família, a arte do circo"
Há quem viva em apartamento, casa pequena ou grande, e há quem viva em trailer. Mudar de lugar parece difícil para quem está acostumado a ter moradia fixa, mas, para alguns, mudar de bairro, cidade ou estado, é só necessário: a arte não fica parada. A arte se move e, nesse caso, vai atrás do público, pede para ser vista. Quando montado, é difícil não reconhecer que ali estão vários artistas, os circenses. Cirio Brasil e sua família são uma das muitas famílias circenses.
Cirio nasceu e se criou no circo. Assim como muitas famílias circenses, sua história começa quando sua mãe e seu pai fogem com o circo e depois se conhecem. Após o divórcio, a mãe se viu trabalhando fora do circo para sustentar os 5 filhos. Eles, percebendo a dificuldade, voltaram-se para o circo, em busca de uma melhora de vida. A mãe, que dá nome ao circo Mirtes, resolve então montar seu circo novamente e juntar os filhos. Cirio conta que a família contou com a ajuda de um amigo, a quem ele se refere como anjo da guarda, que emprestou o dinheiro e possibilitou a compra do circo.
Casado e com 7 filhos, ele se orgulha de ser de família tradicional e não se imagina seguindo outra carreira. Pela dificuldade de pagar transporte para realizar a mudança, a família atualmente fica apenas em Fortaleza e na região metropolitana, contando com ajuda de amigos que possuem caminhões de mudança.
Cirio relata as dificuldades de achar terreno: "Hoje em dia a gente não tá podendo escolher, onde tem espaço é onde vai colocar". Durante a maior parte do tempo eles ficam alocados na periferia; chegar nas grande avenidas é complicado para circos pequenos. O circo encontra os espaços públicos disponíveis, fala com a comunidade sobre a possibilidade de se alocar no espaço e só então se firmam naquele lugar. Ele acredita que o problema não são as pessoas, e sim o poder público, que garante mais espaço para circos grandes ou internacionais. Enquanto circos grandes atraem visibilidade para o governo e recebem incentivos, circos pequenos ficam escondidos em qualquer lugar disponível. Ele conta casos de territórios ocupados por circos menores e logo órgãos públicos criam obras que não são inauguradas: “Creche é massa é, mas que funcione, que não só acabe terreno”. A permanência de um circo em uma região específica é em média de trinta dias.
"O negócio é a gente tirar o preconceito da cabeça de cada um, porque se eu criar minha filha igual os outros falam dela, eu não tô mudando nada, eu tô simplesmente deixando o mundo ser o que ele é."
A vida no circo tem suas diferenças, porém eles são uma família normal, com uma rotina de estudos e trabalho. Lúcia, a mãe, conta que uma das vantagens dessa rotina é a proximidade com os filhos, ela se diz privilegiada por poder acompanhar o crescimento deles. Porém, mudar constantemente de lugar tem seus problemas.
Ao chegar em um local novo, às vezes eles se deparam com o preconceito. Não só de quem não gosta de circo, mas de quem os vê como "coitadinhos", como disse Cirio, e esse estigma para ele é o pior. Eles são artistas que não só trabalham como vivem de sua arte e de suas performances e de forma alguma querem ser vistos com pena.
No circo, a diversidade é celebrada. Os artistas não fazem distinções entre as pessoas; quanto mais gente, melhor. “O circo abriga todo mundo” diz Círio. Quanto mais variado o público, melhor: é sinal de que o circo atinge diversos públicos, de que a arte perpassa qualquer estereótipo.
Quando chega lá a gente se transforma, a gente passa a não ser mais a pessoa que saiu lá de trás da cortina, e ali é o personagem.
— Wanderson (Baratinha)
O reconhecimento
Circo é ponto de encontro de muitas artes e a maior gratificação para os artistas é o reconhecimento. Por parte do público, que faz parte dessa vida de circense, e também por parte do governo: reconhecer que o circense existe e atender suas demandas e necessidades para seguir em atividade. "O povo tinha mais era que prestigiar o circo", acrescenta Cirio.
Ele conta que é uma alegria quando o público permanece após o espetáculo para conversar com os artistas e parabenizá-los. Os aplausos e elogios servem como incentivo, aumentam a vontade de melhorar e cada vez mais proporcionar uma experiência divertida e diferenciada para quem comparece ao circo.
Treinamento circense: ontem e hoje
Após muita discussão e debate entre os envolvidos, principalmente os circenses, as secretarias regionais, secretarias municipais de saúde e educação e corpo de bombeiros, a Lei do Circo foi regulamentada em 2015. A lei discorre sobre os direitos das famílias circenses e garante o reconhecimento em serviços básicos como acesso à educação, saúde e também regulamenta as regras para instalação e permanência de circos na cidade de Fortaleza. Como o próprio Círio conta, sempre foi preciso muita luta para conseguir vagas para seus filhos em escolas.
A lei também fala sobre a Escola Municipal de Circo. O texto vem sendo discutido e pretende oferecer ações de formação para qualificar a atividade circense, ofertando para a população em geral acesso a cursos e outros projetos voltados para a arte.
A regulamentação da Lei do Circo
Projeto Circo de Todas as Artes
Reconhecimento. Esta palavra é essencial para qualquer pessoa, principalmente para aqueles que vivem da arte. Reconhecer o talento, o esforço, o espetáculo. Reconhecer que a cidade de Fortaleza é um picadeiro de malabaristas, trapezistas, palhaços, em suma, de circenses. Mas a questão permanecia: como expor esse mundo?
Para responder essas e outras perguntas os circenses se uniram e soltaram a voz, na esperança que órgãos e entidades governamentais escutassem. Daí nasce em 2006 o projeto Circo de Todas as Artes. Realizado periodicamente pela Associação dos Proprietários Artistas, Escolas de Circo do Ceará (APAECE) e pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, o projeto Circo de Todas as Artes leva lonas de circos aos bairros do município de Fortaleza, buscando assim a democratização da cultura.
“Esse projeto surgiu da queixa do circense. Nasceu de falta de incentivo pra cultura do circo e da nossa necessidade de mostrarmos o nosso trabalho. Precisávamos de uma oportunidade de trabalhar pra comunidade em troca da autorização pra montar o circo em um terreno sem que vários empecilhos fossem criados”, revela Círio Brasil, presidente da APAECE e proprietário do circo Mirtes.
Além de apresentações teatrais, circenses e de dança o projeto também promove também ações de cidadania, oferecendo serviços gratuitos para comunidades carentes como assessoria jurídica, exames e esclarecimentos sobre saúde, corte de cabelo, troca de lâmpadas, aferimento de pressão e teste glicêmico, massoterapia, palestras informativas, além de exibição de filmes.
“O espaço do circo é democrático. A gente pode colocar um grupo de dança, de teatro, botar uma tela pra audiovisual, expor fotografias. Ou seja, é um lugar onde todas as artes de encontram e trocam experiências", defende Círio.
Após seis edições, o projeto teve uma pausa em 2011 devido um corte no orçamento da prefeitura na época. Após a troca de gestão, o projeto foi retomado e vem sendo realizado em todas as regionais da capital cearense de forma periódica.
Circo Mirtes
Funcionamento: de segunda a segunda,
às 20h
Endereço: Cruzamento da Avenida I com Avenida F
Conjunto José Walter
Crédito das fotografias: Tiago Gaspar/Divulgação
Matéria de Introdução às técnicas jornalísticas - módulo web
Equipe: Ana Raquel Romeu, Danilo Oliveira, Raiane Ribeiro, Wedson Mesquita
Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará